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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A moça dos olhos clarinhos

               A vida não andava muito fácil. O governo aumentou tanto nossos impostos que tivemos que diminuir a comida. É complicado isso quando se tem cinco filhos para criar. Mas morar no litoral tinha suas vantagens, sempre tinha algum turista que a gente podia enrolar, e no final acabava sendo um dinheiro fácil. Nunca tive remorso de tirar desses gringos o que é nosso por direito, não acho que alguém deva ter tanto dinheiro assim.
                Meu primo Zeca tinha me convidado para trabalhar num estacionamento de um evento musical que acontece aqui na região, aonde vai um monte de riquinho com o dinheiro dos pais. Mas Zeca não era como eu, achava que se fosse honesto a vida toda uma hora iria ser retribuído, pobre Zeca, não fazia ideia de como era tolo. Aceitei para Ana não desconfiar de onde vinha o dinheiro para a comida das crianças. Ana era a mulata mais linda que já tinha visto na minha vida, quando a conheci, nunca liguei para os minúsculos shorts que ela usava, e nem que ela já tinha saído com todos os meus amigos, eu era encantando no sorriso dela, nos cachos volumosos e em como ela me tratava bem. Ana era uma moça humilde, e ingênua, não frequentou a escola, não sabia ler nem escrever. Mas fazia tudo o que podia pelos filhos. Olhando-a vi que sua beleza não era mais a mesma, afinal de contas depois de cinco filhos o corpo da mulher já não fica mais igual. Ela tinha engordado, não entrava mais nos shorts que usava quando a conheci, e o cabelo já não tinha mais a linda onda daqueles cachos e sim um volume indefinido. Ela havia perdido o sorriso encantador que tinha quando a conheci, de uns tempos para cá tudo a incomodava, reclamava que eu não era bom marido, que não tínhamos dinheiro para sustentar as crianças, que odiava a vida que tinha, há mulata, se ela soubesse tudo que eu já fiz para colocar um prato de comida na mesa ela não reclamaria assim.
                Comecei a trabalhar com o Zeca, o salário não era dos melhores, mas era apenas dois dias, seria jogo rápido. Logo no primeiro dia fiquei apavorado com a quantidade de pessoas que chegou naquele lugar, vinha gente de tudo quanto é lado para prestigiar os gringos que iam tocar. Tolos, com tanto dinheiro gastando nessas bobagens e eu precisando só de um pouco para meus filhos, senti certo aperto no coração, meus filhos jamais viriam num evento como esse. A chegada de um novo carro ao estacionamento tirou minha atenção, e mais ainda quando os passageiros desceram. Nunca tinha visto um ser tão lindo. Seus olhos eram clarinhos, quando se aproximou vi que eram verdes, o cabelo era curtinho de uma cor que desconheço, mas o batom vermelho dava um contraste incrível nos dentes brancos. Quando me viu sorriu, mas sorriu para todos os lados, distribuía sorrisos sem esforço algum. Ela veio e foi tão rápido, que passei o resto da noite lembrando daqueles olhos clarinhos, quando voltaram para buscar o carro, estava ela, sorrindo daquele mesmo jeito inocente para todos que a olhassem. No segundo dia estava ela de novo, mais linda do que no primeiro, dessa vez ela me deu oi em voz alta e fiquei encantado em como sua voz era meiga.
                A noite decorria muito bem, quando decidi conversar com Zeca sobre meu dinheiro, afinal de contas não tinha recebido pelo primeiro dia. Ele me chamou para um canto e disse que as coisas não tinham sido tão boas como os outros anos e que não ia poder me pagar o prometido. Não me contive e o empurrei, afinal o estacionamento tinha ficado lotados os dois dias, logo seus outros funcionários me empurraram e me afastaram do local. Desgraçado, tinha me feito trabalhar de graça.
                No final do evento voltei até , aquele filho da puta iria me pagar, já tinha prometido para Ana comprar tecido para fazer roupa para as crianças. Entretanto quando cheguei no estacionamento já não havia mais ninguém, apenas o carro de onde tinha decido a moça dos olhos clarinhos. Fiquei olhando para ver se a via, fui me aproximando até perceber que todos dormiam inclusive ela. Parecia um anjo. E no seu colo estava uma bolsa preta com pedrinhas. A primeira coisa que me veio à cabeça foi que aquela bolsa poderia mudar a minha noite, entretanto eu não podia fazer isso com ela, ela tinha sido a única que tinha sorrido para mim em anos sem ter interesse algum em troca. Mas ladrão não pode se apegar nas sua vitimas. E não faria falta a ela como estava fazendo a mim. Abri a porta e a tirei do seu colo, ela nem se mexeu. Foi como tirar doce de criança. Fechei a porta e sai e nenhuma das pessoas que estavam naquele carro acordou. Eu não sabia nada sobre ela, vi suas fotos e percebi que era uma moça muito atarefada e já tinha viajado para vários lugares, aquelas coisas não fariam tanta falta a ela como estava fazendo pra mim.
               Lembro-me todo dia do sorriso da moça dos olhos clarinhos, mas fico mais feliz quando vejo os dos meus filhos com as roupas novas que a mãe deles fez com o tecido que comprei. A moça era boa não merecia isso, mas ladrão não escolhe suas vitimas, não se pode perder a oportunidade. Vou me lembrar sempre dessa historia toda vez que o sol nascer quadrado por esse buraco na parede que eles chamam de janela, afinal ladrão não pode perder a oportunidade e a policia também não.

2 comentários:

  1. Grande sacada, o final do texto que pega a gente de surpresa, pois ao longo da narrativa a gente nem imagina que o protagonista da história está contando-a, de dentro da prisão. Parabéns Évyh!!

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